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Conduzir testes de usabilidade com pessoas com deficiência

Fevereiro 7, 2023

Se testa os seus produtos com pessoas sem deficiência, porque não também com alguém cego, surdo ou disléxico? Têm o mesmo direito de ver os produtos no seu site, adicionar os que querem ao carrinho e pagar o que compraram, sem precisarem da ajuda de um amigo ou familiar. Se não forem capazes de o fazer, irão simplesmente mudar para um concorrente que ofereça um website mais acessível. 

Por que conduzir testes de usabilidade com pessoas com deficiência?

Quando 15% da população mundial vive com algum tipo de deficiência (Fonte: OMS), não faz sentido exclui-los dos testes de usabilidade ao seu produto. É como se estivesse a ignorar 15% do seu mercado. Já para não falar do crescente número de utilizadores idosos, que desenvolvem limitações visuais, auditivas, motoras e cognitivas, e que também irão beneficiar se um produto for construído sem barreiras.

Mesmo que o website seja desenhado e desenvolvido em conformidade com as directrizes de acessibilidade, as pessoas com deficiência podem mesmo assim não conseguir completar as tarefas necessárias no website. Testar com uma maior diversidade de utilizadores irá fazer toda a diferença para o website (e para o negócio). Não só o está a tornar acessível a um maior número de pessoas com poder de compra, está também a aumentar as hipóteses de os tornar clientes. 

Com base na nossa experiência a conduzir testes de usabilidade com utilizadores com deficiência, partilhamos alguns aspectos a ter em consideração ao planear e conduzir investigação com pessoas com deficiência, de forma a garantir que tudo corre bem e que são recolhidas informações úteis.

Como recrutar utilizadores com deficiência?

Ao realizar testes de usabilidade com pessoas sem deficiência sabemos que há aqueles que estão bastante à vontade com a tecnologia, e aqueles que têm um pouco mais de dificuldade em usar produtos digitais. O mesmo acontece com pessoas com deficiência. As pessoas cegas podem estar mais ou menos confiantes  a usar leitores de ecrã. É importante testar com utilizadores de nível regular, não só especialistas em acessibilidade e em tecnologia assistiva.

Se não está a trabalhar com uma agência de recrutamento, existem uma série de sítios onde pode encontrar pessoas com deficiência dispostas a ajudar:

  • Comunidades online para pessoas com deficiência;
  • Grupos de defesa e caridades;
  • Organizações e agências que fornecem formação e outros serviços a pessoas com deficiência;
  • Organizações sénior e centros de dia. 

Não assuma que um participante com uma deficiência representa todos

Se tem um orçamento apertado, irá provavelmente sentir-se forçado a convidar pessoas com diferentes deficiências - uma pessoa cega, uma pessoa surda, uma pessoa com uma deficiência motora e outra com uma deficiência cognitiva. Contudo, devemos saber que isso não é uma representação de toda a gente com deficiências semelhantes.

Uma pessoa cega não é uma representação de todas as pessoas com deficiência visual.

Homem em frente a um computador com uns auscultadores enquanto lê braille

Fotografia de Mikhail Nilov no Pexels

Como existem diferentes tipos de deficiência visual, as pessoas usam diferentes técnicas de interacção, estratégias adaptadas e configurações de tecnologia assistiva para navegar na web. Enquanto alguns podem usar o VoiceOver em dispositivos Apple, alguém que use Windows irá usar o NVDA, por exemplo, ou podem até usar um teclado de braille. Se uma pessoa tem baixa visão pode definir as preferências de cor para o modo de alto contraste ou configurar um tamanho de letra maior. 

Enquanto o ideal seria testar com várias pessoas com diferentes deficiências visuais, a realidade é que o orçamento e o tempo nem sempre permitem que isso aconteça. 

É necessário ajustar os participantes que se recruta ao produto que se está a testar. Se está a testar um produto sem informação áudio ou funcionalidades de voz, então não será necessário recrutar utilizadores com deficiência auditiva. Se está a testar uma app de universidade e a sua análise de utilizadores revela que haverá muitas pessoas com dislexia a utilizá-la, então deverá incluir pessoas com essa deficiência nos testes. 

Para além disso, não se deve assumir que as pessoas com deficiência não conseguem ou não irão utilizar um produto. Se estamos a testar um website de uma marca automóvel, não devemos excluir pessoas cegas dos testes de usabilidade só porque não podem conduzir. Podem querer consultá-lo para comprar um carro familiar ou como presente para os filhos. 

Onde conduzir os testes de usabilidade? 

Dependendo da deficiência, para algumas pessoas pode ser um problema deslocarem-se ao laboratório de investigação. Um participante com problemas de mobilidade pode sentir-se mais confortável em sua casa ou num local que visite frequentemente, como um café ou a escola. 

Apesar de conduzir testes no laboratório tornar mais fácil a gravação da sessão e ter a equipa do projecto a juntar-se para observar, o melhor a fazer é descobrir onde o participante preferiria fazer o teste

Se decidirmos conduzir os testes de usabilidade no laboratório, é necessário garantir que é acessível:

  • Verificar se a entrada do laboratório e o edifício têm alguns degraus ou se há um elevador funcional disponível;
  • Verificar se as portas são largas o suficiente para caber uma cadeira de rodas, bem como se cabe debaixo da mesa onde se encontra o dispositivo de teste (pelo menos 70cm de altura);
  • Verificar se a sala é grande o suficiente para acomodar um cão-guia, um cuidador ou um intérprete de língua gestual;
  • Verificar se a casa de banho é acessível. 

Pessoa a andar numa cadeira de rodas num corredor de escritório

Fotografia de Marcus Aurelius no Pexels

Se recebemos um participante com uma deficiência visual, devemos oferecer-nos para os guiar ou perguntar-lhes como gostariam de ser guiados. Devemos informá-los se existem alguns obstáculos (degraus, mobília, plantas) e o que se encontra na mesa (dispositivos, garrafa de água, lenços).

Podemos também oferecer alguma ajuda a chamar um táxi para os apanhar ou ir ao seu encontro na entrada do edifício e guiá-los até ao escritório.

Os testes remotos podem ser também uma boa opção para evitar quaisquer complicações que os participantes possam experienciar com a ida ao laboratório.

Se está a trabalhar com pessoas com deficiência, veja estas regras gerais de etiqueta para interagir com pessoas com deficiências.

Que equipamento deve o participante usar?

Enquanto que para pessoas sem deficiência é praticamente indiferente que equipamento usam para completar as tarefas, para um utilizador com algum tipo de deficiência não é esse o caso. Geralmente, têm o seu computador e smartphone configurados de certa forma, com a tecnologia assistiva que normalmente usam. 

Permitir que o participante utilize o seu próprio dispositivo será menos dispendioso. Existe uma variedade de tecnologia assistiva e de softwares e, enquanto alguns são grátis, adquirir alguns deles representaria um grande investimento. Por exemplo, no que diz respeito a leitores de ecrã, enquanto alguns participantes usam o NVDA, que é grátis, outros usam o JAWS, um software pago ($90 por ano ou $900 por compra única). Num exemplo semelhante, se um participante cego utiliza o VoiceOver em produtos Apple, pode ter dificuldades se tiver de completar o teste num dispositivo Windows.

Permitir que os participantes tragam o seu equipamento será também menos demorado. Apesar de ainda ser preciso reservar algum tempo no início do teste para que possam configurar tudo, será provavelmente mais rápido do que terem de definir as suas configurações preferenciais nos dispositivos do laboratório.

💡 Dica: Se está a testar com software de leitores de ecrã, peça se o participante pode diminuir a velocidade do discurso. Isto fará com que seja mais fácil para o moderador ou qualquer pessoa a observar o teste compreenderem onde o utilizador se encontra. Ficaria surpreendido com a velocidade que têm definida!

O website é acessível o suficiente para ser testado? 

Pessoa a usar um computador portátil

Fotografia de Christina Morillo no Pexels

A última coisa que se quer é ter uma pessoa com deficiência a deslocar-se ao escritório só para chegar à conclusão que o website não é acessível o suficiente para ser testado. 

Desde correr o website numa ferramenta automática a fazer algumas verificações manuais, estas são algumas coisas que se podem fazer:

  1. Tente usar um leitor de ecrã para ver se o website é lido correctamente. Procure por ordens de leitura incorrectas, ou etiquetas e imagens sem alt text útil, por exemplo. 
  2. Navegue no website usando apenas o teclado, clinicado na tecla Tab. Se nenhum elemento no website aparece focado, não será possível para alguém com uma deficiência motora que o impeça de utilizar o rato navegar no website.
  3. Verifique o contraste da cor do texto e do seu fundo. Se houve pouco contraste será mais difícil de ler para um participante com baixa visão.
  4. Conduza uma auditoria de acessibilidade às directrizes do WCAG 2.1.
  5. Realize testes de usabilidade com utilizadores sem deficiência primeiro. Isto irá ajudar a corrigir problemas técnicos óbvios e problemas de usabilidade com a arquitetura de informação, a navegação ou o conteúdo. Se representam um problema para utilizadores sem deficiência, são provavelmente um problema ainda maior para um utilizador com deficiência ultrapassar.

Agende o tempo necessário para o teste

É natural que pessoas com certas deficiências demorem mais tempo a completar as tarefas do teste (especialmente se o website apresentar problemas severos) quando comparando com um utilizador sem deficiência. 

A própria deficiência, a medicação ou o esforço extra para utilizar a tecnologia assistiva são alguns dos factores que podem influenciar o tempo que um utilizador demora a completar o teste. O objectivo é evitar a fadiga do utilizador. Pode não conseguir participar numa sessão longa ou pode precisar de alguns intervalos. As pessoas com tremores e com perda de controlo motor fino podem demorar mais tempo a fazer tarefas básicas como clicar num botão. Uma pessoa com dislexia pode precisar de mais tempo para processar a informação textual.

Não existe uma regra única para todos, há que ter em consideração cada participante e as suas necessidades particulares. O melhor é ter uma lista de tarefas mais pequena e preparar algumas tarefas adicionais para se houver tempo e o participante não se importar de completar mais algumas. 

Para além de planear mais tempo da a sessão de teste, é também melhor planear mais tempo antes e depois do teste. Planear tempo antes do teste para o participante poder configurar quaisquer tecnologias assistivas e definir as configurações que deseja. Depois, planear mais tempo entre sessões pois poderá ser necessário tempo adicional para arrumar os dispositivos do participante e ajudá-los a sair do edifício.

Moderar a sessão de teste

Todos os documentos que dê aos participantes como o formulário de consentimento, o acordo de confidencialidade, instruções e direcções, tarefas e formulários devem ser em linguagem clara e simples, especialmente para participantes com deficiência cognitiva. Deve-se também considerar a melhor forma de enviar ou entregar os documentos, baseado na habilidade de cada participante. Podem preferir receber por e-mail (HTML acessível, PDF, texto simples), impresso com tamanho de letra grande ou em braille, por exemplo. 

No início do teste, é muito importante reforçar que não é o participante que está a ser testado, mas sim o website. Estão provavelmente a fazê-lo pela primeira vez e assegurar que não se está a avaliar as suas competências ou habilidades pode ajudar a fazê-los sentir mais à vontade.

Idealmente deve-se usar as mesmas tarefas para os utilizadores com e sem deficiência. Contudo, enquanto num teste regular o moderador deve ajudar o participante o mínimo possível, com utilizadores com deficiência pode ser necessário intervir um pouco mais. 

É importante estar preparado para ajustar. Ao testar com utilizadores com deficiência intelectual, devemos estar preparados para explicar a tarefa um pouco melhor para garantir que compreenderam o que têm de fazer. Se estamos a usar escalas de avaliação, usar linguagem simples e em vez de uma escala de 7 valores, mantê-la mais simples, com um máximo de 5 valores.

Traga a equipa para observar os testes

Três colegas numa sala de reuniões a olhar para um ecrã de televisão

Fotografia de Tima Miroshnichenko no Pexels

Há muitas pessoas que nunca viram uma pessoa cega a utilizar um computador ou um smartphone com um leitor de ecrã. Para que as pessoas desenhem e desenvolvem tendo em consideração a acessibilidade, precisam de estar conscientes das necessidades específicas das pessoas com deficiência ao navegarem num website.

Chamar diferentes membros da equipa - designers, developers, escritores de conteúdo - irá permitir-lhes verem como as pessoas com deficiência navegam de facto na web, ouvindo na primeira-pessoa sobre os problemas com os quais têm de lidar. Para alguns será certamente uma chamada de atenção.

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Mais websites usáveis e acessíveis para todos os utilizadores

Quando fazemos o nosso website ou aplicação acessíveis, não estamos apenas a melhorar a experiência para pessoas com deficiência. Os idosos, alguém com uma limitação temporária ou situacional, e utilizadores sem deficiência irão beneficiar.

Ter um produto que passa em todas as directrizes de acessibilidade não é suficiente. Testar com utilizadores reais, com limitações reais, irá revelar os problemas reais de usabilidade com que têm de lidar.

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📚 Recursos úteis:

Quer oferecer um serviço acessível a todos?

Os testes de acessibilidade não têm de ser assustadores. Nos últimos anos, temos conduzido testes de usabilidade com pessoas com deficiência e aumentado a nossa experiência nessa área. Se precisa de alguma ajuda para perceber como os utilizadores com diferentes habilidades experienciam o seu produto, contacte-nos.

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